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Direção de Fotografia: A importância artística no cinema de ficção

Artigo publicado AVANCA:

Resumo:
A direção de fotografia em cinema não tem sido reconhecida, diga-se injustamente, como uma atividade artística. Tem ocorrido, sempre que há referências à fotografia de um filme, se limitam na sua esmagadora maioria a mencionar o aspeto técnico e não o valor artístico que está por detrás do trabalho do diretor de fotografia. Neste ensaio, procura-se comprovar que a fotografia e a composição de imagem são essenciais e têm um papel relevante na narrativa cinematográfica. Procura-se comprovar tentando interlaçar com o «O Inconsciente ótico» de Walter Benjamin.

Abstract
Despite having a key role on narrative cinema, cinematography is not always regarded as an artistic activity. By looking through to the craft of the cinematographer it possible to understand that the use of lighting can give a different perception to the viewer. This perception can be found if we make a resemblance from Walter Benjamin’s theory about the principles of the «optical unconscious ». This analogy can serve to fundament the idea that the manipulation of light symbolizes information that the viewer perceives in narrative cinema. This is a tentative to overcome the general idea that in fact the cinematographer is more than just a craftsman and the author theory given solely to the director maybe is unfair to the cinematography.

Key Words: Cinematography; optical unconscious; narrative cinema; cinematographer; film; authorship;
Palavras- chave : Direção de Fotografia; cinema; inconsciente ótico; ficção; fotografia; câmara;

O papel do Diretor de Fotografia (DF)
O desempenho do diretor de fotografia é visto por todos os quadrantes mais como de um técnico do que propriamente de um criativo. Se o papel do DF é secundário em relação ao realizador no que diz respeito à decisão final, compete por outro lado ao diretor de fotografia a decisão final no domínio da fotografia.
O DF é responsável pela qualidade técnica e artística do filme. Compete ao DF materializar em imagens a visão do realizador. Sendo que o ponto central do diretor de fotografia é traduzir as emoções do guião para a tela. Para a obtenção destes efeitos o DF tem de conciliar o uso da luz e movimento.
A fotografia tem efeitos sobre o espetador pela forma como se manipula a luz como também pela forma como se compõe o quadro e pela sua estrutura compositiva aliada ao movimento de câmara. Estes efeitos combinados têm um poder emocional sobre o espetador.
A fotografia serve a narrativa do filme encaixando-se no género, no conceito, na criação de um ambiente que propicie o sentido lógico da narrativa e em especial materializar a visão do realizador. Em ficção a fotografia cinematográfica tem um papel fundamental na transmissão de emoções dos personagens para o espetador.


A Iluminação
Desde que John Alton intitulou o seu livro «Painting with Light» (Alton, 1949) que a designação de pintar com luz é utilizada para descrever a direção de fotografia em cinema. Até ao momento não se encontra outra definição que melhor possa descrever o principal papel que a fotografia tem na narrativa ficcionada. Uma pintura tem a capacidade de nos atrair e dos nos absorver através da suas características. Pode atrair através do arranjo compositivo, quer pela tom das suas cores quer pelos dos seus contrastes ou até mesmo causar o efeito negativo de repulsa . A fotografia cinematográfica tem claramente o mesmo efeito utilizando até os mesmos princípios estéticos para descrever emoções e efeitos no espetador.

O DF pode em circunstâncias normais utilizar luz natural ou luz artificial e em muitos casos conjugar ambas para a obtenção do efeito pretendido. Pode fazê-lo através de altas luzes (high-key) ou optar por faze-lo em baixas luzes (low-key). Enquanto a primeira se caracteriza essencialmente pela presença de cor e ausência de sombras a segunda caracteriza-se em sentido contrário pela ausência de cores vivas e pela presença de sombras carregadas e fortes. Uma fotografia assente em altas luzes pode demonstrar felicidade, alegria, esperança, enquanto uma fotografia feita com baixas luzes pode demonstrar tristeza, infelicidade, drama ou morte.

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Exemplo de «low-key» O personagem solitário é iluminado apenas por um contra-luz deixando grande
parte do enquadramento no escuro o que transmite ao espetador a sua solidão e distância. Não há
proximidade com o espetador. "House of Cards: Chapter 3" (2013) DF Eigil Bryld

Estes efeitos assentam essencialmente na manipulação dos aparelhos de iluminação aproveitando as suas características de forma a orientar e a dirigir a luz no sentido que se pretende. Entre fazer uma luz dura ou uma luz suave esta pode ser controlada através da redução ou aumento dos níveis de contraste. Enquanto a luz dura pode provocar grande contraste entre o claro e o escuro e daí causar a impressão de algo pesado, agressivo por outro lado manipular uma luz difusa e suave para diminuir contrastes, pode induzir beleza, tranquilidade ou mesmo nostalgia.

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A conjugação de luz natural e artificial para criar neste caso um ambiente romântico.
JOHN TOLL_ASC_Legends of the Fall_1994

Estes factos, que se podem considerar de certa forma convencionais, são contudo a base para a obtenção de um efeito emocional necessário para a narrativa cinematográfica. Como por exemplo uma fonte de luz vinda do topo sobre o personagem como no caso do filme «O Padrinho» 1972 fotografado por Gordon Willis dá a impressão de espiritualizar o personagem como torna-lo distante. É o caso da iluminação neste filme que deixa os olhos do ator (Marlon Brando) sempre no escuro como que nos retirando o contacto com o seu olhar dando distância e carregando a personagem de misticismo.
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A iluminação de topo (vulgo duche) provoca sombras sobre os olhos do ator o que provoca uma distância entre personagem e espetador. Inatingível.
Iluminando um personagem por baixo dá-nos outro efeito. Insegurança e um aspeto fantasmagórico. Este aparente ilusão dado pela iluminação pode ser aplicado em situações de drama, morte, chantagem, bruxaria e mesmo para acentuar a mau carácter do personagem.

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Direção de luz para caracterizar um personagem. DAVID WATKIN_BSC_The Devils_1971


A fotografia em relação ao inconsciente ótico segundo Walter Benjamin
Partindo então do pressuposto que a fotografia tem um papel de relevo na tomada de consciência do espetador na apreensão de sentimentos através da imagem, então faz-se uma analogia através do pensamento de Walter Benjamin relativamente ao seu pensamento em «O inconsciente ótico». (Benjamin, 2006)
O filósofo alemão Walter Benjamin debruçou-se sobre o efeito que causa sobre a consciência e sobre o subconsciente do espetador quando este está perante imagens em movimento. Benjamin denominou-o de «inconsciente ótico» no seu ensaio em 1936 em «A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica» onde descreve a influência das imagens sobre o consciente humano. Benjamin faz uma aproximação à teoria das pulsões de Freud no domínio da psicanalise.

«A câmara leva-nos ao inconsciente ótico, tal como a psicanálise ao inconsciente das pulsões»

(Benjamin, A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. in: Magia e Técnica, Arte e Política. , 1994, p. 105)

As pulsões, segundo Freud, são impulsos inconscientes gerados interiormente onde não se tem controlo ou domínio ao contrário do ato consciente e premeditado. São impulsos energéticos da mente como são nos sonhos que surgem de um impulso não voluntário mas que surgem por uma corrente de energia interna sem domínio e controlo do consciente.
Para além daquilo que a realidade efetivamente mostra há contudo uma outra dimensão que apesar de não ser efetivamente visível, palpável no domínio do real, também existe ao nível do inconsciente. O visionamento de um filme absorve o espetador ao ponto de o interiorizar sem este se dar conta na narrativa e na ação que se está a desenrolar. Só é interrompido se algo de anormal se passar. Como um corte da projeção ou outra anomalia se venha a intrometer de forma a interromper a absorção do individuo sobre o desenrolar da narrativa. Apenas uma ação exterior pode "acordar" o espetador da sua envolvência psíquica enquanto segue o enredo que se desenrola na tela.

A Fotografia no contexto narrativo
A fotografia portanto vem acentuar essa compreensão do pensamento humana e a perceção à imagem. A fotografia como forma de comunicar é mais complexa e rica do que aparentemente se possa deduzir. A imagem não se esgota em si. A imagem diz mais do que aquilo que mostra.
Walter Benjamin, faz uma aliança entre a fotografia e a análise psicanalítica. A fotografia tem para Benjamin um potencial analítico oculto ao primeiro olhar. Benjamin aborda-as como que lendo para além do óbvio, interpretando o instante como que a decifrar o verdadeiro significado desse instante e dessa personagem ou personagens que dão corpo à fotografia.

«Benjamin reconhece na fotografia e no cinema a capacidade de registo de aspetos da realidade que não cabem na ótica natural» (2)

sendo que considera que a capacidade das imagens técnicas são muito mais abrangentes e ricas de informação no domínio da perceção e da interpretação tal como exemplifica entre a diferença do ator de teatro com o ator de cinema. Enquanto o ator de teatro atua perante um público em tempo real podendo readaptar a sua interpretação de acordo com as reações do público no cinema é diferente. O ator interage com a máquina obedecendo a determinadas técnicas que é depois composto na montagem.

«Estas imagens técnicas vêm, permitir analisar melhor o desempenho dos atores de um filme na medida em que este passa a ser «mais facilmente isolável nos seus elementos constituintes». Por outro lado, o grande plano e o ralenti no cinema, a ampliação e o retardador na fotografia não funcionam apenas como meios de exposição de elementos conhecidos da realidade, mas sobretudo como meios de «revelação de estruturas de matéria inteiramente novas da realidade». (3)

 Só a fotografia e o cinema revelam essa imagem oculta, através do movimento, do corte, as imagens aceleradas ou desaceleradas, só mesmo a câmara pode ser a extensão do olhar observar e revelar aquilo que o olho humano não vê. O operador de câmara russo Dziga Vertov ensaiou no seu documentário «O Homem da Câmara de Filmar» e em «Kino-Eye».

A relação da imagem cinematográfica com o princípio do inconsciente ótico.

Portanto tendo como base que o inconsciente absorve informação extra para além do óbvio, então o uso da iluminação no contexto cinematográfico reveste-se de importância crucial no sentido de estabelecer o ambiente onde a narrativa se desenrola. Neste particular a fotografia assenta sobre a teoria do inconsciente ótico. A particularidade da iluminação e do enquadramento são veículos de informação para o inconsciente. É capaz de passar informação para o subconsciente e daí ser um adicional para a criação de um ambiente propício para o desenrolar da narrativa pretendida.

 

«O cinema e as suas técnicas permitem novas perceções do espaço – através do grande plano – e do movimento – através do “ralenti”. “Assim se torna compreensível que a natureza da linguagem da câmara seja diferente da do olho humano. Diferente, principalmente, porque em vez de um espaço preenchido conscientemente pelo homem, surge um outro preenchido inconscientemente». (Benjamin, 2006, p. 233)


O cinema penetra profundamente no real. Põe o real a teste e perfura diversas camadas do consciente trazendo à superfície uma reação nova, reveladora e até incontrolável, tal como as pulsões que fala Sigmund Freud. Os sonhos não são manipuláveis. Decorrem sem o próprio os poder controlar e todo o desenrolar dessa narrativa criada pelo subconsciente que só pode ser interrompida com o acordar. O cinema tem o poder de transformar o real.

A natureza que fala à câmara é diferente da que fala aos olhos. Diferente sobretudo porque a um espaço conscientemente explorado pelo homem se substitui um espaço em que ele penetrou inconscientemente. (Benjamin, 2006, p. 246)

A manipulação da luz.

O cinema rapidamente se estruturou e se cristalizou na narrativa e nos géneros. Há algumas normas técnicas que se aplicam para dar consistência à narrativa cinematográfica. Tornaram-se de certa forma convencionais num sistema industrializado e massificado como o cinema acabou por se tornar. Já falamos acima de algumas. A iluminação low- key caracterizada por imagens escuras, conferem de certa forma um ambiente mais carregado e pesado muito característico de filmes de terror ou de certos géneros como os thrillers. Por outro lado, no outro extremo temos a caraterística de iluminação que se denomina de high-key confere ao contrário imagens totalmente iluminadas, brilhantes e coloridas que se adapta para filmes do género de comédia e românticos.
Através da característica de iluminação de uma cena é possível sugerir emocionalmente, de igual modo como o acompanhamento da música que implicitamente nos determina um sentimento. A luz em cinema tem o mesmo papel emocional. Uma luz pode associar-se a um sentimento de excitação, de otimismo e alegria ou com mistério, medo e perigo. Em relação ao uso de maior ou menos contraste entre claro e escuro podemos dizer que o uso de pouco contraste nos pode transmitir o sentimento de nostalgia e melancolia enquanto o uso de alto contraste com grandes diferenças entre claro e escuro nos podem levar ao sentido de conflito, de disputa, de guerra e de dramatização.


O que se pretende comprovar é que a direção da luz tem grande importância na referida «mensagem» subliminar que completa o inconsciente. Utilizando uma luz predominante de topo pode dar a uma impressão espiritual, angélica como a que foi utilizada por exemplo no filme de Mel Gibson «A Paixão de Cristo» com fotografia de Caleb Dechanel. A luz forte que desce do topo e banha o personagem é como se de um sinal divino se tratasse vindo dos céus. Se a iluminação desprezasse esta técnica o efeito seria distinto. Como poderia o diretor de fotografia representar o momento divino e celestial em que Jesus fala com o Deus Pai? Poderia certamente optar por fazer outro género de fotografia sem marcar claramente a proveniência da fonte de luz, mas essa luz teria o mesmo efeito? O mesmo significado? Será que o espetador está consciente no momento que segue a narrativa do filme que a luz simboliza o divino? Ou será apenas «informado» inconscientemente? E desta forma representativa do divino, (do céu vem o paraíso e da terra o inferno) o realizador e o diretor de fotografia aliam a simbologia representativa para poder contar a sua história. 

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Imagem do filme «A paixão de Cristo» A luz cai verticalmente dos céus.


«No domínio da arte, com efeito, a noção de imagem, está ligada essencialmente à representação visual».
(Joly, 2012, p. 19)

 É nessa representação que assenta essencialmente o trabalho dos profissionais da Direcção de Fotografia. A construção da imagem tem um papel nos tempos modernos uma importância vital no sentido da perceção humana e na passagem de informação quer no domínio da aprendizagem, no domínio da comunicação como nenhuma outra era foi capaz. Presentemente a massificação da imagem tornou-se ainda mais expansiva e absolutamente total na civilização ocidental ao ponto de podermos dizer que

«O analfabeto do futuro», disse alguém, «será aquele que não sabe ler as fotografias, e não o iletrado»
(Benjamin, 2006, p. 261)

 

A relação do Diretor de Fotografia com o realizador
Antes de fazer uma conclusão é necessário apontar todo um trabalho que deve ser feito pelo DF em especial com o realizador de forma a atingir os objetivos se tivermos em conta a interpretação acima descrita sobre o pensamento de Walter Benjamin sobre o inconsciente ótico.
Não será demais realçar que é óbvio que a relação entre DF e realizador deve ser a mais próxima possível. A colaboração que ambos empregam na criação da obra é fundamental no resultado final. Quanto mais sensível é o realizador às questões concetuais melhor se desenvolve o trabalho com o diretor de fotografia. É necessário que exista uma colaboração mútua e próxima que beneficie o resultado final da fotografia e por conseguinte o filme. Quanto maior for o envolvimento do realizador com o DF na construção de uma obra cinematográfica melhores perspetivas se abrem para a obtenção de um bom trabalho. A colaboração mútua é fundamental no desenvolvimento artístico e conceptual. Resultados de duplas famosas que assinaram obras notáveis são por exemplo: Ingmar Bergman/Sven Nykvist; Bernardo Bertolucci/ Vittorio Storaro; Steven Spielberg/ Janusz Kaminski; Irmãos Cohen/ Roger Deakins entre muitos outros.
O desenvolvimento do trabalho é definido no período de pré-produção onde o DF discute todos os aspetos do guião e a abordagem que o realizador eventualmente pretende em conversas preliminares. Faz uma análise do argumento como um todo abordando a estrutura narrativa, análise das personagens, investigação da época, acontecimentos e elementos de design adequados na definição de estilo a fim de chegar a acordo com o realizador no ponto de vista estético. Toda esta investigação conceptual e de design são inteiramente da responsabilidade do DF numa colaboração próxima com o realizador. É a conjugação das funções técnicas e criativas que culminam no trabalho final.


A questão autoral
No cinema em particular a questão autoral tem sido levantada. Quem é de facto o autor da obra cinematográfica? Há os que defendem que o realizador é único autor da obra e que as contribuições dos restantes elementos atuam de acordo com as instruções do realizador e daí serem apenas executantes de uma ideia e de um propósito. Mas será mesmo assim? Quando o realizador não é o argumentista da obra adapta um guião previamente escrito de uma outro criador e daí o argumentista perde a sua posição autoral? Da mesma forma que o músico que apesar de ser instruído pelo realizador para compor música com determinadas melodias para se encaixar nas diferentes cenas do filme, a fim de lhes dar a emoção pretendida, o músico não deixa de ser autor da sua música. O mesmo se deve passar com o Diretor de Fotografia que através da composição de imagem, direção de luz, tom de cor, contrastes, profundidade de campo e colaboração com o departamento de arte é também em si um autor. Autor da fotografia do filme.


Como vimos através da teoria de Walter Benjamin, a estrutura da sequência, a posição e os movimentos de câmara, a direção de luz são fatores chave na narrativa do cinema de ficção e daí então se procurar concluir que o desempenho da função da direção de fotografia deve ser reconhecida como uma profissão artística e não uma mera atividade técnica.


«Lighting supports the dramatic content of a scene and helps to establish the nature of characters, it also communicates mood,
atmosphere and emotions. Whatever one sees on the screen, is light. As a consequence, lighting design has become
the essential creative means by which DPs can develop an individual style and a wide range of expression. »
(IMAGO, 2001) Cathy Greenhalgh

O Difícil reconhecimento

Ao longo dos tempos tem sido difícil reconhecer as capacidades artísticas ao diretor de fotografia, porque tem sido sempre considerado um mero técnico. Não descurando que efetivamente ser um técnico se o DF fosse só e técnica isoladamente um executante os filmes teriam precisamente o mesmo tom e a mesma técnica. Mas na verdade não é bem assim. Há filmes que se destacam relativamente a outros dada à sua narrativa e a representação dos atores que tiveram a direção do realizador, mas também se destacam pela qualidade da imagem e pela inovação que apresentam. É muito provável que as ideias possam ter surgido do realizador e o diretor de fotografia executou, mas ao executar não tira o mérito nem a capacidade artística ao diretor de fotografia.


Há um denominador comum ao qual existe consenso alargado que é reconhecer que um filme é resultado de um trabalho de equipa e neste particular da fotografia cinematográfica é justo reconhecer que o diretor de fotografia deveria ver reconhecido como co-autor da fotografia cinematográfica e nesse contexto ser reconhecido pela legislação autoral.


Há o denominador comum que o realizador desde a nouvelle vague é o único detentor da autoria da obra, salvo a escrita do guião, o argumentista que em muitos casos é o próprio realizador que escreve o próprio filme, muito comum na europa e o compositor musical. Ao contrário de países como a Argentina e da Europa de Leste que reconhecem por letra lei a co-autoria da fotografia da obra cinematográfica e nessa circunstância têm o direito de se inscrever nas sociedades de autores como autores e não como fotógrafos.


Sabemos como os realizadores se manifestam contra esta posição ou melhor dizendo como se sentem embaraçados por ela. Não há nenhum motivo para se estabelecer uma barreira entre as duas profissões quando afinal ambas são complementares e extraordinariamente importantes para a construção da obra. Agora muito em especial nesta era do cinema digital onde as qualidades e as capacidades técnicas e artísticas, exigem ainda maior rigor na execução.

Uma ambiguidade do reconhecimento.

Um exemplo por exemplo de uma situação ambígua que pode ocorrer e que ocorre com frequência nas rodagens. Um diretor de fotografia ilumina uma determinada cena e estabelece o enquadramento. O diretor de fotografia que se ocupou da fotografia dessa cena filma e não lhe é reconhecida a autoria de nada, mas por estranho que pareça o fotógrafo de cena se tirar uma fotografia ao mesmo local com o mesmo enquadramento que está estabelecido para a cena do filme a ele é reconhecida a autoria. Há portanto a avaliar por este exemplo algo de ambíguo que merece a devida atenção.


Exemplos claros da importância do Diretor de Fotografia
Um dos casos que se apresenta como exemplo da importância do diretor de fotografia num filme encontra-se no artigo de Philip Cowan (Cowan, 2012) onde este demonstra que Gregg Toland diretor de fotografia em «Citizen Kane» de Orson Welles aplicou técnicas idênticas a outros filmes em que tinha participado anteriormente, nomeadamente a grande profundidade de campo e uso de ângulos baixos para obter uma perspetiva total ao ponto de ‘romper’ os decores. Esta prática tinha sido já utilizada anteriormente em outros filmes por Gregg Toland mas a critica e os estudos académicos atribuem essa técnica a Orson Welles.
Pode-se citar um outro caso muito parecido que é o denominado ‘plano vertigo’ que consiste em centrar um determinado objeto ou personagem e utilizar dois movimentos em simultâneo, de travelling e alteração da focal através da zoom. Este efeito foi inventado por Robert Burks ao qual Alfred Hitchcock aproveitou na utilização do seu filme «Vertigo» dando a sensação de vertigem do personagem principal.

Conclusão

A manipulação da imagem no cinema de ficção não é apenas uma mera atividade técnica. Necessita de um grau elevado de conhecimentos para além da manipulação dos equipamentos. Para o Diretor de Fotografia é a conjugação da técnica aliada à narrativa e as emoções que são necessárias transmitir de acordo com o guião e as intenções do realizador que faz da sua profissão uma atividade completa e por conseguinte uma atividade artística. Tem de ser mais do que um artesão para poder atingir objetivos e resultados no domínio artístico que justifiquem as opções estéticas. Se há uma conceção estética é porque existe seguramente uma atividade criativa e pessoal envolvida. Cada individuo interpreta o guião e o filme à sua maneira. Daí a atividade do DF não se poder circunscrever apenas a uma atividade técnica. Para o mesmo filme se houvesse dois diretores de fotografia teríamos duas fotografias diferentes mesmo com o mesmo realizador. Daí se achar ser justa a pretensão de elevar a posição de diretor de fotografia a uma plataforma mais elevada na hierarquia artística de uma obra cinematográfica reconhecendo o diretor de fotografia como autor e dar-lhe a co-autoria da fotografia do filme.

NOTAS:
(1)Link vídeo : http://www.youtube.com/watch?v=b9MoAQJFn_8
(2) Victor Flores em «Inconsciente ótico» publicado no site da Fundação Coa Parque, visitado em 15/08/2013 http://www.arte-coa.pt/index.php?Language=pt&Page=Saberes&SubPage=ComunicacaoELinguagemImagem&Menu2=Visualidade&Slide=39&Filtro=39
(3) Victor Flores idem

BIBLIOGRAFIA

Alton, J. (1949). Painting with Light. Los Angeles: ASC.
Benjamin, W. (1994). A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. in: Magia e Técnica, Arte e Política. . São Paulo : Brasiliense Ensaios Vol. 1. Sobre Literatura e História da Cultura. Obras Escolhidas.
Benjamin, W. (2006). A Modernidade. Lisboa: Assírio & Alvim.
Cowan, P. (2012). Underexposed: The neglected art of the cinematographer. Journal of Media Practice, Volume 13 Number 1.
Gardies, R. (2008). Compreender o Cinema e as Imagens. Lisboa: Texto & Grafia.
IMAGO. (2001). Making Pictures: A century of European Cinematography. Londres: Aurum.
Joly, M. (2012). Introdução à Análise da Imagem. Lisboa: Edições 70.
Leitch, M. (2003). Making Pictures A century of European Cinematography. nEW yORK: IMAGO/ Harry N. Abrams.
Phelps, R. S. (1989). The cinema as art. New York: Penguin.
Vittorio Storaro, L. T. (2013). The Art of Cinematography. Roma: AUREA.

FILMOGRAFIA

The Passion of Christ, 2004, Filme. Real. Mel Gibson. EUA. Icon Productions
The God Father, 1978, Filme. Realr. Francis Ford Copolla. EUA
House of Cards: Chapter 3, 2013, Filme. Real. James Foley. EUA
Citizen Kane, 1941, Filme. Real Orson Welles. RKO EUA
Vertigo, 1958, Filme Real. Alfred Hitchcock, Paramount. EUA
WEBGRAFIA

FLORES, Victor. Inconsciente ótico. Fundação Coa Parque. Disponível em http://www.arte-coa.pt/index.php?Language=pt&Page=Saberes&SubPage=ComunicacaoELinguagemImagem&Menu2=Visualidade&Slide=39&Filtro=39

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